domingo, 1 de agosto de 2010

2º ATO







Nesse segundo ato, August propõe analisar a religião com uma das três misérias humanas. O nosso autor sabe das problemáticas que perpassa esse assunto, todavia, não poupa palavras para expressar o que pensa acerca da instituição religiosa e suas manifestações no homem. Como o próprio August afirma: “Só me é permitido buscar a verdade e nada mais” (in: Moinho de vento, 2010).

            Das questões intrigantes que tive, sem dúvida, a existência foi e será a mais pertinente e de todas as minhas experiências conflitantes, a religiosa é de longe a maior. Não que eu queira fazer apologia ao ceticismo, mas a vida tem me ensinado a não confiar inteiramente nos homens e em suas verdades absolutas. Por outro lado, não gostaria que minhas reflexões marginalizassem o que sou, isto é, minha identidade. Todavia, as palavras me permitem tornar manifesto os pensamentos que outrora eram nevoeiros e, sendo assim, julgo necessário confessá-las.
            Malgrado meu desejo de oferecer uma reflexão que pudesse ser dinâmica e causasse entusiasmo, procurei em meu cabedal, uma estória que atendesse a esses requisitos e espero ter encontrado-a. Vale lembrar ao leitor que a estória a seguir retrata os conflitos de José, a personificação do homem, com sua consciência. Por isso, foge as condições de temporalidade e espacialidade, sendo construída de forma não linear.

           
“E agora José? A vida passou, a juventude se foi junto com a alegria, os ombros cansaram, os sonhos acabaram e a realidade venho a tona. O que lhe restou José? A amargura, a mão tremula, o olhar vazio, as doenças, a memória e junto a lembrança dos tempos de infância. O que fazer José? Não há mais nada para cultivar, nem bons frutos para se colher.
            E o tempo entoa uma canção que a vida não fez questão de escutar, mas que agora na velhice soa como tambores. A vida é exatamente isso, geração e corrupção. Mas você José, foi incapaz de aceitá-la e preferiu refugiar-se em seus monstros, suas criaturas, seus deuses. Contudo, não lhe culpo. Pois, nada se pode esperar de um homem cuja vida foi a obediência à severa imposição dos preceitos sociais.
            Deixe de covardia, coragem homem. Encare seus medos e descubra a origem de seus monstros. Olhe pro seu íntimo e verá que tudo não passa de ilusão, porém aceitar essa verdade é carregar o fardo da solidão humana. Por isso, ainda preferes acalentar suas incertezas na figura de um Pai todo poderoso.
            Por temor ao criador, levantastes impérios e derramastes sangue. Obrigando todos a se curvarem e a respeitarem sua louca criatura. Os homens de pensamentos livres foram julgados de heresia e condenados a pagarem pelo simples fato de duvidar. Mesmo assim, seu deus continua a ser benevolente.
            Quanto delírio José! De criador a criatura. Ao procurar o reflexo de si na realidade fantástica do céu encontrou um “super-homem” capaz de driblar as peripécias da vida, de interromper a história humana e de modificá-la ao seu bel prazer. Todavia, esse teu feito expõe o soluço de uma criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e o espírito de uma situação carente de espírito.
            Quem sabe José, um dia sua criatura possa deixar de ser a felicidade ilusória de um povo e este, por conseguinte, possa tomar as rédeas do futuro. Nesse dia, a humanidade passará de criatura a criador, de ovelhas a pastores, de alienada a livre”.
           
August Ramon.


A crítica de August a religião expõe primeiramente aspectos psicológicos da mente humana, sua relação com a existência e a finitude. Apoiando-se nas reflexões freudiana e feuerbachiana, revela o caráter antropológico de Deus, enquanto desejo de poder e vontade oprimida.
O fetichismo religioso aponta para a insatisfação humana de suas condições sociais e econômicas e por isso, deposita uma felicidade ilusória em outro plano. Desse modo, vale lembrar que, a crítica religiosa é também uma “inquietação política”.
E por fim, a intenção de nosso pensador é de tornar claro a contradição religiosa, esta não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião. August procura mostrar que todo esse processo não passa de uma auto-alienação. 

7 comentários:

  1. Muito interessante....mas sera que José sera feliz sem a religião,depois de ter vivido tanto tempo preso a ela....conseguira viver sem ela e quanto a seus medos internos a quem ele recorrera, se nao a religiao? A religiao nao seria uma valvula de escape para ele ou sera apenas uma alienação?

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  2. É exatamente isso!
    Enquanto válvula de escape para suas angústias e insatisfações acaba se tornando uma auto-alienação.
    Como diria Marx "É o ópio do povo" (A questão Judaica).
    Obrigado Darci pelo Comentário, em breve irei postar o 3º e último ato, gostaria de saber sua opinião.

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  3. Me impressiona seu calibre literário. Apesar do inverno, há um gosto de verão constante em suas palavras bem riscadas, que sempre chovem um pouco ao fim do dia... e, claro! lembram que NÃO SE DEVE CONFIAR NAS VERDADES ABSOLUTAS DOS TAIS HOMENS... até porque, VERDADE E ABSOLUTA são palavras que não devem andar juntas. Não há verdades absolutas, porque todas elas são construções. Se existissem verdades absolutas não existiria, por exemplo, o juri popular (aquele usado para condenar ou absolver um "criminoso"). Eles existem, justamente, para CONSTRUIR UMA VERDADE acerca do crime julgado! E, dependendo de como essa verdade será construída, o réu terá o direito de matar ou não (um salve para Shiritzmeyer). Houvessem as verdades absolutas e o fato se explicaria por si, bastando apenas os investigadores!Os pretensiosos advogados que conheço, quem sabe, fossem todos filosófos. Já imaginou que beleza? Com isso quero "chover" quando nosso autor disse que "Só se permite buscar a verdade". Mas se a verdade NÃO ESTÁ DADA, como pode querer BUSCÁ-LA/ENCONTRÁ-LA?? Estaria, a verdade que busca, acima dos homens? Mas são os homens que constroem as verdades, não? A própria verdade que o autor busca (que, inversamente, me pareceu ser absoluta) é uma verdade que este irá construir e será, portanto, uma verdade humana! acreditará nela?
    Sei que o recorte apresentado se propõe a isso, mas, não esquecer que a instituição religiosa não apenas se manifesta NO homem... ela também é manifestação DO homem! (um salve para o Darci). As pessoas Reinventam os valores da religião... não as vejo como seres tão alienados assim! Não subestimemos o potencial (Re)criativo delas. Do contrário, como explicar a Reforma da Igreja Católica? Seria apenas fruto dos homens de pensamento livre? E os homens de pensamento livre são esses mesmos que vêm pintados com barbas longas e feições heróicas nas 'cartilhas de história'? Marx alfinetou os historiadores que faziam culto a esses "praguentos" (rs), não? Não me parece que meia duzia de intelectuais poderiam transformar o pensamento religioso de uma época (E sei que o autor em nenhum momento disse isso!). Essa transformação foi fruto de quase toda a sociedade que VIVEU e ainda VIVE a religião da SUA maneira e aí, dizer que "a religião é o ópio do povo" me parece explicar muiiiiito pouco sobre o que é ela no quotidiano dos tantos SUJEITOS. Penetrar nesse quotidiano (não o conheço bem, mas também não tenho notícias que Marx tenha feito isso), no imaginário partilhado pelos homens comuns pode revelar uma religião bem menos alienante do que se pressupõe. Até o trabalho de Clastres, também se pensava que os "primitivos" da América viviam sem estado porque desconheciam-no. Depois dele já se sabe que é por puro desprezo! Com a "tal liberdade" quem garante que não é o mesmo?
    Como saber se uma "felicidade é ilusória"? Minha sobrinha acredita em papai noel como eu acredito na ciência... e nenhuma "antropologia barata" que eu faço será tão boa, pra ela, quanto o bom velhinho que ela espera. Neste caso, o Noel não é só alienação, é fonte de felicidade nada ilusória... E me pergunto as vezes se ilusão não é a minha que acredito em Lévi-Straus!?
    Mas claro, entendo o recorte do autor. Respeito suas idéias, seus pressupostos. E, admito, grande admiração pelo seu estilo literário. Em seu vasto cabedal, lá estava essa estória, bela e empolgante como deveria ser!

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  4. Caro amigo, suas considerações são tão relevantes que penso seriamente em anexá-las ao texto. Ao ponto de confessar que, os textos de August sem os comentários aqui postados por meus amigos, seria um corpo sem alma (razão).
    Contudo, possuímos algumas divergências o que é sem dúvida, mais que normal.
    Primeiramente, apesar de "tentar" romper com a tradição (o que confesso ser impossível), os termos empregados fazem referência a alguns conceitos filosóficos como, por exemplo, verdade absoluta. Por esse conceito entendo basicamente o que Kant havia pensado em sua "crítica da razão pura", ao dizer que existem verdades necessárias e por conseguinte, universais. Para fins de elucidação me ocupo da matemática. Não vejo construção subjetiva de suas verdades. 2 + 2 = 4, aqui e na china. "A linha reta é a distância mais curta entre dois pontos" (Isso é uma verdade de caráter absoluto, não?).
    Com relação, a "busca pela verdade" é um instrumento retórico. Aqui sou socrático e apesar de não existir uma verdade dada, como vc. bm mencionou, há por outro lado, o desejo de se obter o que é verdadeiro. Assim, buscamos a felicidade, mesmo não havendo um modelo do que é ser feliz. Contudo, isso não pode descaracterizar a importância da busca, sendo ela, objetiva ou subjetiva.
    Por fim, o caráter alienante da ideia religiosa, está muito mais próximo de um descontentamento político, ou seja, de uma busca pelo "melhor" que não se encontra nesse plano. Nesse sentido, o Homem resolve um problema "humano" por vias transcendentais. Fazemo isso com a figura do Estado (a culpa é do Estado), como se esse fosse uma entidade transcendente. É o caráter do fetichismo. Pode-se dizer que, a própria ciência sofre desses males (a ciência é capaz de resolver todos os problemas humanos). Com isso, quero deixar claro que, não retiro da religião sua potencialidade de se renovar, tendo em vista que sua criação é fruto da própria capacidade imaginária do Homem. Contudo, NÃO há nela uma intenção "Real"de se resolver o problema do homem. Sendo assim, suas verdades que se "pretende" fundar na necessidade e universalidade (absoluta), NÃO passam de meras quimeras.
    Com relação a sua sobrinha,bom é apenas uma criança (brincadeira), acho que a religião tomada pela perspectiva apresentada logo acima, resolve esse aparente impasse.
    Agradeço seu comentário e aguardo o próximo para o 3º ato.
    Forte abraço.

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  5. Grande!
    De fato, nossos desencontros não chegarão a uma síntese!Partimos de lógicas diferentes e aí ta feita a guerra! rs. Mas isso é, pelo menos, louvável. 2+2=4 pra todo aquele que partilha desse sistema simbólico! Há sociedades que não vivem essa lógica e então 2+2= a NADA! E para q 4 fizesse sentido eu teria q sentar com eles e CONSTRUIR essa verdade. A Verdade não está dada porque não está no número (nem nas coisas q expressa!), ela está na cultura. Se tirado do seu sistema cultural o numero deixa de existir, deixa de ser verdade... portanto, NÃO É ABSOLUTO... mas, do mesmo modo que vc, certamente, ja "imaginava" q eu viria a dizer isso, eu também imagino o q vc vai dizer agora... (visto os conceitos IMPOSSÍVEIS de se prescindir) Por isso me pergunto se a alienção causada pela ciência ou pela filosofia não seria tão cruel quanto a causada pelos manipuladores midiáticos!?? É. tudo indica q sim! Mas isso diz tão pouco sobre a forma particular q vivemos e reinventamos a ciência/a filosofia/a religião/o Noel/o futebol a ponto de nem insistir na pergunta que me ocorreu. De resto, agradeço sua enorme consideração em ler meu cansativo comentário! Ai q sono! rsrs. Vou dormir até chegar o 3º ato....rsrsrs

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  6. Não resisti e preciso te dizer:
    Todo conhecimento inicia com a experiência, todavia nem todo conhecimento tem sua origem na experiência! É o caso da matemática.
    Me entende?
    Agora deixe-me escrever o 3º ato (rsrs)
    Abraço!

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  7. Olá, meu autor predileto

    Adorei o 2º ato. Estou divertindo-me, pois você e a Jovane são capazes de fazer qualquer um acompanhar as cenas do próximo capítulo.

    Beijos,

    Sílvia

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