sábado, 30 de outubro de 2010

QUAL O FUNDAMENTO DO DISCURSO POLÍTICO?





Qual a característica fundamental do discurso político? O que o distingue dos outros discursos? Por que é preciso ter clareza dos elementos que embasam um discurso que se julga político? 

      São algumas considerações sobre essas questões que pretendemos tratar nesse pequeno texto (informativo). Tal intento se fez presente devido às patifarias e bobagens primorosas dos discursos (apolíticos) das eleições atuais. Primeiramente, gostaríamos de apresentar as características de um discurso NÃO político e os males que o uso do mesmo pode causar para uma nação. Em seguida,  demonstraremos o que de fato sustenta um discurso verdadeiramente político.
     Para começo de conversa, precisamos esclarecer que um discurso político não pode ser: único, imutável, absoluto e universal. Não é único porque é dialógico, ou seja, não se trata de um monólogo e sim de produção de ideias e, por conseguinte, diálogo. Não é imutável porque é opinião e sendo assim, sofre alterações. Não é absoluto porque é múltiplo, isto é, relativo. Não é universal porque é particular, ou seja, não há um discurso que manifeste o interesse de todos.
       Com relação aos males produzidos por tais discursos, basta uma breve análise sobre a nossa história. Vamos lá então, quando Hitler fez do programa a "solução final" (programa que resultou na morte de milhões de pessoas) um projeto de lei aprovado e sancionado, isto é, constitucionalmente aceito, utilizou-se de um discurso apolítico, embora servindo para uma intenção política. Nesse programa que fora feito por intelectuais (doutos) alemães, estava as premissas científicas que projetavam a superioridade da raça ariana (alemã). Os argumentos pautavam-se no evolucionismo e no processo de seleção das espécies. Assim, orientado por argumentos "científicos", Hitler convenceu sua nação e colocou em prática seu plano. 
        Ora, qual lição podemos extrair desse fato? Vejamos, ao forjar um discurso político embasado em argumentos científicos, Hitler retirou todas as características políticas que poderiam existir no próprio discurso. De fato, o fundamento de suas ideias estava na ciência e esta por sua vez, atribuiu ao seu discurso elementos absolutos e universais. Em outras palavras, a ciência consegue legitimar suas regras quando estas possuem caráter de universalidade, ou seja, sejam válidas para todos. Sendo assim, um discurso que se repousa na ciência deve consequentemente, ser absoluto e universal.
        Por ser de caráter absoluto e universal, o discurso de Hitler não se sustentou como político, e por não ser político impossibilitou o diálogo e a expressão de ideias opostas, e por impossibilitar o diálogo resultou no que todos nós infelizmente assistimos: auschwitz e seus milhões de Judeus, Negros, Deficientes e Comunistas mortos. Contudo, o nazismo não foi o único exemplo em que o discurso político foi forjado por intenções de ordem científica. Na África do Sul, um regime de segregação racial conhecido como Apartheid representou novamente a deturpação da política por mecanismos que se diziam universais e absolutos.
 O parlamento africano, repousando nos argumentos científicos (seleção das espécies), considerou a integração uma "perda de personalidade" para todos os grupos raciais. Sendo assim, achou oportuno separar (isolar) tais grupos sustentando uma política de discriminação racial. Tomamos como exemplo de tal doutrina, o manifesto eleitoral do Partido Nacional:
       
        "A política da segregação racial se baseia nos princípios cristãos do que é justo e razoável. Seu objetivo é a manutenção e a proteção da população européia do país como uma raça branca pura e a manutenção e a proteção dos grupos raciais indígenas como comunidades separadas em suas próprias áreas (...) Ou seguimos o curso da igualdade, o que no final significará o suicídio da raça branca, ou tomamos o curso da segregação".

        Como já observamos um discurso político em hipótese alguma pode ser sustentado por premissas universais. Se incorrermos nesse erro estaremos eliminando qualquer chance do debate, da troca de opiniões e da construção do coletivo. E ainda, sustentaríamos uma política cuja consequências seríamos incapazes de avaliar.
        Gostaríamos ainda de trazer para a nossa análise uma outra questão que sem dúvida, colaborará para um melhor entendimento da problemática aqui apresentada. Trata-se da inserção do discurso religioso nas campanhas eleitorais, isto é, a apropriação da religião nos temas políticos, debates e mesmo na propaganda eleitoral. Tamanha é a confusão que isso tem gerado que é permitido pensar se o discurso religioso também poderia ser um discurso político. 
        Para responder essa questão precisaremos antes analisar quais são os fundamentos do discurso religioso. Primeiramente, devemos esclarecer que o discurso apresentado pela religião descansa em princípios absolutos e universais como, por exemplo, a existência divina e a verdade revelada pelo livro de representação do sagrado, a Bíblia.
            Em certa medida, o discurso religioso cumpre com um papel fundamental para a vida coletiva, projetando valores morais capazes de garantir a harmonia entre os homens. Todavia, esse discurso se projeta para a vida espiritual e seu fundamento repousa em um plano transcendente, ao contrário, da vida política que se insere num debate mundano e passageiro.
            Dessa forma, podemos dizer que, o discurso proferido pela religião é distinto do político e ainda, possui intenções diferentes deste. Contudo, se um Estado queira fundamentar sua constituição em bases religiosas terá que responder as seguintes questões: Quem pode legislar em nome deste Estado? Qual grupo ou entidade política tem o direito de governar? E outras questões surgem destas, por exemplo, qual o direito reservado para um ateu? Como o Estado deve-se comportar em relação a estas pessoas? Deve puni-lo, extirpá-lo, retirá-lo do Estado?
            Sem dúvida, um discurso religioso não pode ser o fundamento do discurso político, pois como o científico, o religioso é essencialmente universal. E todo discurso universal nega a multiplicidade de vozes e opiniões, se instaurando como Imperialista e totalitário. De fato, basta analisar a Idade Média e os danos causados pela interferência religiosa no campo político.
            Mas afinal, qual é o fundamento do discurso político? Sem mais delongas, podemos dizer que são atributos necessários do discurso, a Pluralidade, contingência e particularidade. Um discurso político é sempre mediado pelas inúmeras vozes que existem na sociedade (sindicatos, movimentos religiosos, políticos, sociais e ambientais, ONGs, enfim, interesses individuais e de grupos). Vale lembrar que sua sustentação está na possibilidade do diálogo.
          O diálogo que constrói tal discurso se embasa no processo dialético, isto é, no embate de ideias opostas capazes de construir um consenso (síntese). Eis a grande diferença desse discurso, ao contrário do científico, religioso ou mesmo de uma elite (aristocratas) que apresentam uma verdade anterior ao próprio discurso, o político por sua vez, constrói a verdade, ou seja, esta última é resultado de debates e reflexões. Todavia, a verdade produzida pelo discurso político não se sustenta como absoluta como, por exemplo, a verdade religiosa (dogmas). A verdade da argumentação política é contingente, capaz de ser reformulada, repensada e reconstruída.


Por:  Maicon Fortunato

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