segunda-feira, 5 de julho de 2010

A miséria humana em três atos


O capital, a religião e a Ignorância: tais são as três misérias humanas. Estas três misérias são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa viver, daí a riqueza; precisa crer, daí a fé; precisa ser feliz, daí a falta de criticidade. Esses três elementos estão interligados por uma unidade presente no processo de alienação. A alienação que se manifesta sob a forma de status, superstição e contentamento.
Eis a ananke* que envolve o homem e por meio do qual August Ramon procura desenvolver suas primeiras reflexões.

·         Palavra grega: Necessidade, fatalidade.

1º ATO
Das longas jornadas de trabalho ressurge o ser humano, exausto e fadado à miséria. Miséria esta que não corresponde a sua condição econômica, mas sim, a maneira como encaminha sua vida.


“É chegado o entardecer, mais um dia que se cumpre. José absorvido pelo forte cansaço que o consome diariamente, vê no suor que escorre pelo seu rosto a realização das necessidades de sua família. Ao retornar ao seu lar, pelas estradas que passava, pensava um pouquinho sobre as virtudes que ele possuía. Um homem que trabalhava feito um “cavalo”, não poderia ser indigno de alguma excelência. No seu caso, a virtude correspondia a uma certa dignificação pelo árduo labor diário. Apesar das condições, José retornava de cabeça erguida e na ideia a certeza de um dever cumprido.

Já em casa, se acomoda por um tempo na varanda observando a brincadeira dos filhos e sussurra, “como é bom ser criança”, como numa espécie de descontentamento de si revelando seu verdadeiro Eu. Mas a vida prossegue e o nosso personagem banha-se, janta e por fim, regozija-se no sofá, em seu único tempo de descanso, parado, olhando freneticamente as imagens, cores e vozes manifestas pela TV. Contemplando assim, o fantástico show da vida que a caixinha sem mais nenhuma surpresa poderia lhe ofertar.

Primeiramente, fica estupefato pelo sensacionalismo jornalístico, depois se deleita nas vidas que jamais poderão ser vividas a não ser pela própria telenovela. E nesse instante, José esquece de sua vida para se apropriar das ficções produzidas pela telinha. E assim, encerra o dia sob uma forte dosagem de drogas que licitamente invade seu lar.

Deitado na cama, ainda pensa as histórias que acabará de ver, no mocinho da novela, no jovem morto na periferia e termina calculando as contas que ainda deverá pagar.

Outro dia se inicia e a longa jornada há de começar, e como um círculo vicioso todos os fatos aqui narrados ocorrerão novamente, com a mesma apatia e monotonia de sempre. Sem mais nada de revelador, a história de José se finda”.


Dessa história sem gosto fica ao leitor uma pergunta: Teria José conscientemente seguido esta sina? Eis a lógica do capital, procura convencer a sociedade de sua hipócrita verdade, postulando modelos de vida e impregnando no homem valores que não são próprios deste mesmo homem. Assim, por detrás de um véu que se manifesta na obtenção de status social, todos percorrem o mesmo ideal, condicionados a serem o que jamais gostariam de ser. Não percebem que existe um manipulador maquiado pelos meios midiáticos e pior, não se reconhecem e nem possuem identidades.


Maicon Fortunato– 07/07/10











6 comentários:

  1. Impossível não elogiar a sensibilidade do autor. Exímio no trato com a escrita, essa tarefa árdua de construir "galinheiro de ripas em meio ao furacão" (diria uma perspicaz escritora que já pôs fogo no próprio quarto!). Agora duma coisa estou a pensar... será possível essa afirmativa da existência de sujeitos sem identidade? E "agora José?". Será que o moço construiu uma "boa" verdade? Do que entendo (mas isso não é muita coisa), identidade é um conceito muito pouco compreendido nas ciências sociais contemporâneas para ser posto à prova... Não obstante, se tomarmos como definição mínima que identidade seria "aquilo" que se forma na interação entre o eu e o espaço social e que é modificada num diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores, (um salve para o Interacionismo Simbólico!)diria então que é um processo, pelo menos, bastante subjetivo e, portanto, me parece bem difícil dizer que alguém não possui, mesmo o desbotado protagonista da estória/história em questão... será?
    Não discordo da existência de um manipulador midiático (a propósito, gostei muito desse termo!) mas também não me parece que ele seja tão determinante na construção dos indivíduos... sempre resta um espaço, um recôndido quase impenetrável onde "Josés e Marias" se embrenham, se (re)significam, se (re)inventam e (re)constroem conscientemente, cada coisa do seu mundo. Negar isso, seria tirá-los a sua dimensão de sujeito, o seu potencial de reagir às coisas. O fato é que cada um reage como pode, mas reage!
    Não esquecer que os "fracos" também se diferenciam na construção das "táticas" e nisso eles se tornam únicos, apesar dos ideais frequentemente comuns...
    Por fim, eu juro q senti gosto na história...xiiiii. acho que queimei a língua...rs.
    Renovo elogios à escrita impecável.

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  2. Obrigado Jovane!
    Então, concordo com a noção de identidade, me fez pensar um pouquinho mais sobre esse conceito.
    mas convenhamos, "José" nao é capaz (poderia ser) de construir sua própria identidade, já que possui valores que não corresponde a sua realidade social (valores de classes dominantes), é por isso, que o personagem persiste em viver sob as mesmas condições!
    Olha vou postar em breve o 2º ato, gostaria de saber seu comentário.
    Forte abraço

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  3. Olá August Ramon, ou melhor, Grande Senhor inovador e desafiador. Há muito tempo não lia algo que mexesse tanto com o meu pensamento. O Senhor levou-me a lembrar de Fernando Pessoa, realmente viajei, talvez eu possa estar extrapolando, já que apresenta-se como um estilo anti-acadêmico. Mil perdões, se estou comparando-o, longe de comparações, sou péssima para fazer comparações, pois acredito no ser como único, ímpar. Mas meus pensamentos levaram-me a lembrar do poeta cheio de inquietações, questionador dos limites da realidade da sua existência e do mundo. E o José fez com que eu refletisse mais uma vez sobre os limites da realidade humana, quem sou ou penso que sou?
    Parabéns, pela sua sensibilidade!

    Sílvia Fortunato

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  4. Oi mana!
    Obrigado pelos elogios e comparações.
    É muito bom saber que vc. gostou, isso me anima a
    escrever mais!!!
    Irei postar o 2 ato, espero que comente.
    Bjão e saudades.

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  5. Sua reflexão, muito bem colocada por sinal, revela como o ser humano "está" limitado, quando se trata de liberdade, será que as pessoas fazem realmente o que querem ou fazem porque existe algo ou alguém lhes mostrando, ou melhor, lhes "mandando" que o façam?
    Parabéns amor, adorei seu texto!!!

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  6. Pensei exatamente nesse caráter de limitação que o capital impõe sobre o ser humano. O José é a personificação do Homem e sua vida retrata de alguma forma a condições da nossa realidade.
    Fico muito feliz por ter seu comentário Aqui!!!
    Obrigado e continue postando.
    Bjos.

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