sábado, 29 de janeiro de 2011

Direita, esquerda e a falha dos rótulos


Não raro, sindicalistas, políticos, religiosos e populares ensaiam rotular seus aliados ou adversários pretendendo qualificá-los ou desqualificá-los com os adjetivos "direita" ou "esquerda". É necessário refletir as diferenças básicas e similitudes que permeiam tais conceitos e as ilações com conservadorismo, progressismo, liberalismo e socialismo. Sem a pretensão de aprofundar o tema que demanda a competência dos especialistas em Ciências Políticas, mister se faz, contudo, tecer algumas considerações básicas.
Seria possível conceber um socialismo de direita? Ou um liberalismo de esquerda? Poder-se-ia afirmar que o conceito de Direita está atrelado ao conservadorismo e este ao liberalismo? Será a Direita a expressão da não-intervenção estatal, e, a contrário sensu, a Esquerda a apologia da intervenção estatal ? Será a Direita a tolerância à segregação e racismo e a Esquerda o contrário? Será a Esquerda progressista e revolucionária e a Direita retrógrada e conservadora? Será a Direita atrelada aos padrões burgueses e à cultura internacional e a Esquerda nacionalista e valorizadora da cultura nacional?
Estes conceitos são francamente subjetivos e, à luz da subjetividade, não há muito o que se discutir como não se discute se o azul é mais elegante que o amarelo. Objetivamente, porém, a definição de Esquerda/Direita nasce com uma opção que jacobinos e girondinos exerceram ao ocupar os assentos à esquerda e à direita do plenário da Assembléia Legislativa da República Francesa em 1792, logo após a vitória da Revolução e a promulgação da histórica Constituição de setembro de 1791.
Os jacobinos representavam a pequena burguesia e o proletariado; os girondinos, a burguesia que desejava resgatar e conservar os antigos privilégios. Certo é que ambas as correntes se insurgiam contra o absolutismo e, no plano político, se situavam como liberais.
Como é corrente, a oposição exalta a democracia e o liberalismo enquanto a situação é mais flácida na conceituação de democracia e liberalismo, justificando as práticas intervencionistas e restritivas das liberdades, tornando-se conservadora ao tentar manter suas prerrogativas. Não raro, os revolucionários que fazem da justiça e liberdade suas bandeiras de luta ao chegarem ao poder massacram as liberdades, fulminam a democracia, tudo em nome da justiça como a concebem.
O apego à legalidade exacerbada tem raízes neste temor iluminista que conhece a tal justiça e os justiceiros de plantão que se arvoram em executores da vontade do povo. Seguir a lei simplesmente e retirar poderes dos julgadores, cingindo-os à literalidade de textos codificados, também não resolve o problema, eis que as leis também emanam da vontade de assembleias. De que leis falamos? Estados de Direito nem sempre são Estados Democráticos de Direito. Estados formalmente democráticos não o são materialmente .
Numa sociedade regida por políticos de Esquerda, quem se opuser ao regime será reformista ou revolucionário e a Esquerda será conservadora, pelo menos neste singular aspecto. Conserva quem quer manter o status quo. Conserva e progride quem ao conservar imprime o progresso. Conserva e é retrógrado quem conserva para impedir o avanço e para resgatar práticas ultrapassadas.
Liberal - com suas diversas graduações - no plano político é quem admite o pluralismo partidário, quem repudia a repressão; no sentido econômico, é quem pugna pela livre iniciativa e pela não-intervenção do Estado na economia. Por este prisma, o segundo Império do Brasil era liberal em ambos os sentidos, consentindo na existência de partidos abolicionistas e republicanos com suas manifestações veiculadas pela imprensa.
A Direita também tem sido definida como o sistema em que predomina a meritocracia sobre a democracia, ou como o sistema em que se privilegiam as fontes formais de aferição do saber e da competência. A ascensão do Führer na Alemanha pré-guerra desmente a tese. A condução da Revolução Cubana por intelectuais como Castro e Guevara, e, antes, a Revolução de 1917, do mesmo modo, eis que a valorização do proletariado se processa a partir de mera outorga desta elite intelectual.
Definição mais simplória que já ocorreu igualando Esquerda à oposição e Direita à situação, embora irracional, ainda persiste: o revolucionário - mesmo quando a Esquerda assume o poder- se firma ao se declarar mais à esquerda e por fazer oposição à Esquerda governante. Daí constar algures que Stalin dizia que não se pode governar com revolucionários.
Ao contrário do que os puristas de Esquerda possam afirmar, é possível a existência de uma Direita popular, de uma Direita progressista e de uma Direita revolucionária, de uma Direita nacionalista. Ao contrário do que os puristas de Direita possam afirmar, é realmente possível a Esquerda verdadeiramente liberal e democrática, e, mais, a Esquerda conservadora, nacionalista, sem perfilhar, incontinenti, a ladainha internacionalista.
Poucos poderiam afirmar com precisão se o Dr. Getúlio Vargas era de Direita ou de Esquerda. Poucos ousam negar que em muitos aspectos foi progressista, popular e revolucionário. Norberto Bobbio tenta esclarecer a importância da distinção em seu "Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política". Registra a crítica meritocrática de que no linguajar de uns e outros democracia é sinônimo de mediocracia, entendida não como o domínio não só da camada média, mas também dos medíocres (p. 57).
Ocorre-nos a imperdível obra do argentino José Ingenieros, intitulada "O homem medíocre", escrita em 1910 e reeditada no Brasil, dentre outras, pela Editora Quartier Latin. Trata-se do excerto das aulas de Psicologia do Caráter por ele ministradas na Faculdade de Filosofia de Buenos Aires. É um livro de altíssimo nível: impactante, merece ser lido com neutralidade científica:
"O senso comum é coletivo, eminentemente retrógrado e dogmatista; o bom senso é individual, sempre inovador e libertário. Pela condescendência a um e outro se reconhecem a servidão e aristocracia naturais. Dessa inevitável heterogeneidade nasce a intolerância dos rotineiros ante qualquer cintilação original; cerram fileiras para se defender, como se as diferenças fossem crime. Tais desnivelamentos são um postulado fundamental da psicologia. Os costumes e as leis podem estabelecer direitos e deveres comuns a todos os homens, mas estes serão sempre tão desiguais como as ondas que encrespam a superfície de um oceano". (p.59)
Num primeiro momento, tender-se-ia rotular o texto de direitista. Mas, como bem afirma Bobbio, alguns pensadores foram, simultaneamente ou em momentos diversos da História, guindados a paradigmas da Direita e da Esquerda. O senso comum aponta o quadro comparativo do que é ser Esquerda e ser Direita, ou os valores priorizados por cada espaço político. Poderíamos identificar outros contrastes. Porém, de se considerar o que Norberto Bobbio, registra no livro acima referido:
"Direita e Esquerda não são conceitos absolutos. Não são conceitos substantivos ou ontológicos. Não são qualidades intrínsecas no universo político. São lugares do 'espaço político". Representam uma determinada topologia política. Que nada tem a ver com a ontologia política". (p. 91)
Correndo o risco de indagar: qual a importância real do tema? Salvo para discussões teóricas - cujo refinamento nossa curta percepção não alcança - parece que influencia muito pouco a vida quotidiana. Muitos partidos políticos se equivocam ao invocar temas meramente ideológicos em eleições municipais, onde os anseios imediatos para atendimento de necessidades básicas e resolução de problemas materialmente administrativos é o que mais importa.
Em nossas andanças pelo interior conhecemos um produtor rural que adentrara a área industrial por força de evolução de sua atividade primária. Aproximou-se do candidato da Esquerda, obteve o compromisso com seu grupo de empresários e, então, filiou-se ao partido proletário, trazendo o apoio de seus pares: eram reformistas porque se contrapunham ao absolutismo conservador e retrógrado que impedia o progresso de seus empreendimentos e do município.
Conhecido deputado do ABC relata que, antes de ser preso nos movimentos grevistas dos anos 80, telefonou à mãe, no Nordeste, explicando que não roubara, não matara, mas estava sendo preso por motivos políticos, por ordem do presidente Figueiredo, ao que sua mãe exclamou: "Liga não, filho. Este Figueiredo é mesmo um comunista!".
Apenas para concluir: neoliberal ficou sendo o rótulo dado ao binômio Reagan-Thatcher, que consagrou a extirpação das garantias e direitos trabalhistas e um liberalismo econômico para inglês ver, isto é, que abre a economia dos subdesenvolvidos, mas mantém as salvaguardas para seus mercados.
E, a bem da verdade, esta conceituação é também altamente subjetiva, remetendo-nos à reflexão de Machado: "caminante, no hay camino. El camino se hace al caminar". Qualquer definição é perigosa e temporária. E a árvore das ideologias estará sempre verde, como disse Bobbio.

Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2010/06/04/direita-esquerda-a-falha-dos-rotulos-916786872.asp

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Trocando em Miúdos: Providência e Superstição



"Se tudo está escrito, como é possível continuar achando que Deus mude a todo momento sua vontade e a organização do todo para atender aos pedidos de uma ínfima parte da criação que é o homem?"  Voltaire.

      Nessa postagem gostaria de apresentar uma reflexão produzida por Voltaire, filósofo Francês do século XVIII. Trata-se da presciência e do plano de Deus em relação à criação. O filósofo questiona a veracidade da providência e por intermédio de uma reflexão sadia expõe questões de extrema importância para aqueles que se deleitam com as maravilhas do saber.
            Abaixo apresento um pequeno trecho daquilo que o autor denominou verbete de sua obra "Questões sobre a Enciclopédia" (1770-72). O título do texto é Providência:

     "Estava próximo às grades quando a irmã Fessue disse à irmã Confite: A providência tem um desvelo visível comigo; vós sabeis como amo meu pardal; ele teria morrido caso eu não tivesse rezado nove ave-marias para obter a sua cura. Deus deu vida ao meu pardal; agradeçamos a santa virgem.
    Um metafísico lhe disse: Minha irmã, não há nada tão bom quanto ave-marias, sobretudo quando uma jovem as recita em latim num subúrbio de Paris; mas não creio que Deus se ocupe tanto de vosso pardal, feliz que ele é: imaginais, por favor, que ele tem outros afazeres. É preciso que ele dirija continuamente o curso de seis planetas e do anel de Saturno, ao centro dos quais colocou o Sol, tão grande como um milhão de nossas terras. Há milhares e milhares de outros sóis, de planetas e de cometas a serem governados; suas leis imutáveis e seu concurso eterno fazem mover a natureza inteira; tudo está ligado ao seu trono por uma corrente infinita da qual nenhum elo jamais pode estar fora de seu lugar. Se as ave-marias de fato, tivessem dado a vida ao pardal um instante além do que deveria viver, essas ave-marias teriam violado todas as leis estabelecidas por toda a eternidade pelo grande Ser; vós tereis perturbado o universo; um outro mundo vos seria necessário, um novo Deus, uma nova ordem das coisas.
       Irmã: O que! Vós acreditais que Deus faz assim tão pouco caso da irmã?
     Metafísico: Fico envergonhado de vos dizer que  vós não passais, como eu, de um pequeno elo imperceptível da corrente infinita (...)
     Irmã: Se é assim, eu estava determinada a dizer um número determinado de ave-marias.
     Metafísico: Sim, mas elas não forçaram Deus a prolongar a vida de vosso pardal além de seus dias (...)
      Irmã: Senhor, esse discurso soa a heresia. Meu confessor, o reverendo padre de Menou, inferirá que não acreditais na providência.
      Metafísico: Eu creio na Providência geral, minha cara irmã, aquela da qual emana de toda a eternidade a lei que regula todas as coisas, como a luz que jorra o Sol, mas não creio que uma Providência particular mude a economia do mundo por vosso pardal ou por vosso gato.
     Irmã: Mas, no entanto, se meu confessor vos dissesse, como disse a mim, que Deus muda todos os dias suas vontades em favor das almas devotas?
    Metafísico: Ele me diria a mais estúpida besteira que um confessor de jovens poderia dizer a um homem que pensa (...)" - Voltaire.




Elucubrações: 

  •  Há uma ordem planejada no universo?
  • Como compreender esse plano divino com relação à liberdade       humana?
  • A providência não pressupõe que tudo possa ser alterado, mas tudo já não teria sido previsto pelo criador? como conciliar esse inevitável paradoxo? 
          Maicon   Fortunato.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Asleep - The Smiths



Asleep é capaz de prender a atenção por horas, com uma melodia singela expõe um dos problemas existências mais intrigante, a morte. As impressões e sensações produzidas por essa música são de dar voltas e voltas na cachola. Sem dúvida, uma obra-prima dos anos 80.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Sobre a brevidade da vida - Feliz 2011


Quem é vivo sempre aparece!!!
Pois bem, depois de uma temporada hibernando pelo mundo afora resolvi retornar às minhas atividades. Confesso que estou meio desanimado para tal, mas é preciso revitalizar e reavivar nossos projetos, mesmo que não tenham produzidos bons frutos. De qualquer forma, pensei em começar esse ano com um texto que transmitisse bons fluidos e encontrei em meu cabedal algo que alcance tal intento, trata-se da obra prima do pensador romano, Sêneca: "Sobre a brevidade da vida". Extraí algumas reflexões desse livro e espero que agrade meus amigos.

                                                                                                                                         Feliz 2011.
Maicon J. Fortunato.


I

"Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai(...) Como grandes riquezas, quando chegam às mãos de um mau administrador, em curto espaço de tempo, se dissipam, mas, se modestas e confiadas a um bom guardião, aumentam com o tempo, assim a existência se prolonga por um largo período para o que sabe dela usufruir".

II

"Por que reclamamos da Natureza? Ela se mostrou benevolente: a vida, se souberes viver, é longa. Mas a insaciável ganância domina um; outro, desperdiça sua energia em trabalhos supérfluos; um encharca-se de vinho, outro está preocupado com a opinião alheia; um entorpecido pelo desejo de lucro (...) Pequena é a parte que vivemos. Pois todo o resto não é vida, mas somente tempo. Os vícios sufocam os homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade".

III

" Nenhum homem sábio deixará de se espantar com a cegueira do espírito humano"(...) Vamos, faz o cálculo da tua existência. Conta quanto deste tempo foi tirado por um credor, uma amante, pelo poder, por um cliente(...) Acrescenta, ainda, as doenças causadas por nossas próprias mãos e também todo o tempo desperdiçado. Verás que tens menos anos do que contas. 
Perscruta a tua memória: quando atingiste um objetivo? Quantas vezes o dia transcorreu como o planejado? Quando usaste teu tempo contigo mesmo? Quando mantiveste uma boa aparência e o espírito tranqüilo? Quantas obras fizestes para ti com um tempo tão longo? O quanto da tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis, e quão pouco te restou do que era teu? Compreenderás que morres cedo"

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