sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O reality show dos mineiros



        A modernidade fez questão de construir uma nova essência para o homem. Diferentemente dos gregos antigos, que pensavam o ser humano como um animal social e inerente a Pólis (cidade), os teóricos do período pós-renascentista atribuíram uma concepção "negativa" para a natureza humana. Sob esta ótica, o homem aparece como individualista, competitivo, intolerante e acima de tudo egoísta. Os contratualistas (pensadores dos séculos XVI a XVIII) projetaram o Estado como o único instrumento capaz de conter essas divergências entre os indivíduos retirando-os assim, de um possível estado de guerra. 
         A famosa frase tomada por Hobbes: O homem é o lobo do homem (Homo homini lupus) expressa claramente esse sentido de desafeto que a humanidade passou a assumir e que se cristalizou com o advento do capitalismo. Hoje, não é preciso ir longe para se reconhecer a veracidade dessas afirmações, basta olhar a violência desenfreada, a corrupção das instituições, o  tráfico que assola nossos lares e outros inúmeros exemplos que desvela a assombrosa realidade.
     Contudo, um acontecimento, em particular, levantou algumas controvérsias a respeito dessas questões.  Trata-se da  dramática história envolvendo 33 mineiros que ficaram presos após o desabamento da mina onde se encontravam. Desrespeitando todas as afirmações sobre uma suposta essência egoísta do homem, os bravos mineiros se uniram durante 69 dias em prol de um bem comum, o direito à vida. 
           Muito diferente dos famosos reality shows em que  pessoas bem nutridas e usufruindo das melhores condições possíveis se digladiam por um prêmio milionário, o reality show dos mineiros carecia de banho, alimentação e conforto. Não havia sensacionalismo, nem "popozudas" se exibindo para as câmeras,  os mineiros estavam sós e pareciam ceder para o fracasso. 
       Todavia, ao invés de um final trágico, a "saga" dos mineiros chegou ao fim de maneira apoteótica. Numa espécie de catarse, o reality show purificou a alma de inúmeros espectadores, além disso, soou como uma lição de moral para os programas triviais que circulam por ai (A fazenda, BBB, coisas do gênero). E ainda, permitiu repensar os valores que sustentam as "relações sociais" e por conseguinte, o que de fato é essencial para a vida.
        O essencial não se constrói por meio de elementos superficiais, como acraditavam os contratualistas, ou seja, não é o direito à propriedade e a preservação da mesma que fundamenta as relações entre os sujeitos. Ao contrário, é a própria necessidade da inter-relação imanente à natureza humana que projeta o homem para a vida social. Assim, dizer que o homem é egoísta significa sustentar uma essência pautada na superficialidade. Longe disso, o ser humano se realiza enquanto tal, quando é capaz de projetar em si o sentido próprio da humanidade. 
          Vale lembrar que, os mineiros deram um bom exemplo de como isso é possível.
Maicon J. Fortunato

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