quinta-feira, 26 de maio de 2011

A PM no campus, Rodas e o território livre


A PM no campus, Rodas e o território livre


O incidente que vitimou o estudante da FEA, Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, deve ser repudiado. Felipe foi assaltado junto ao seu carro no estacionamento da USP depois de ter sacado dinheiro em caixa eletrônico interno à universidade. Ao reagir, foi baleado à queima roupa. Este tipo de crime, o assalto a mão armada na saída de agências bancárias, é uma ação cada vez mais freqüente nas grandes cidades brasileiras, tendo ficado conhecida como “saidinha de banco”.
Portanto, o assassinato do estudante da USP está longe de ser uma exceção. A novidade desta ação é que ela ocorreu no interior da maior universidade brasileira, o que faz com que assuma uma dimensão singular. Não só porque a universidade reúne uma elite econômica, mas também porque reúne (ou deveria reunir) uma vanguarda intelectual e cultural de dimensões não apenas nacionais como também latino-americanas. O local do crime põe à mostra o absurdo cotidiano de nossas grandes cidades, as contradições sociais que se convertem em violência.
É nesse sentido que a morte do estudante, assim como a morte de todas as vítimas do crime organizado, deve ser repudiada. O que chama a atenção, no entanto, é a reação das autoridades universitárias. Na tentativa de "se explicar", em busca de justificar possível omissão da prefeitura do Campus, alguns diretores de unidades e do alto escalão da direção da Universidade vem à público com um discurso conservador e reacionário, impróprio para a ocasião, que soa, além de tudo, oportunista.
Entre as declarações, a que chama mais a atenção é aquela do prof João Grandino Rodas, atual Reitor da USP. Para Rodas, a questão gira em torno da presença de mais polícia no campus. Para Rodas, o campus "acaba sendo um santuário de bandido" . Chama a questão de tabu que a comunidade universitária parece não aceitar. Em seguida, detalha que certo setor da comunidade é o principal responsável pelo tabu. “São grupos pequenos de resistência, mas muito efetivos, (pois) aparecem na mídia, fazem cartazes e são barulhentos" diz Rodas. E conclui que “sobrou um grande ranço e daí há aquela ideia de que o campus é um território livre e a polícia militar não entra”.
Algumas considerações sobre o que Rodas diz devem ser feitas. Em primeiro lugar, a PM já tem uma presença ostensiva no campus, resultado de um decreto de sua própria autoria. O que ele espera além disso? Que a PM inicie revistas nos pedestres, intercepte suspeitos e faça interrogatórios nos intervalos das aulas? Em segundo lugar, como lembra o Sintusp, em sua carta pública sobre a morte do estudante, a guarda universitária foi desmantelada e terceirizada por Rodas, resultando em um efetivo muito mal preparado e cujo objetivo primeiro é a repressão às atividades estudantis extra-classes.
Na verdade, o teor da declaração de Rodas, como um todo, revela uma incompreensão absoluta do real significado do que é uma universidade pública. E a artilharia de Rodas tem um alvo direto, não se dirige contra a "bandidagem" - como é possível que um reitor possa usar tal expressão? - mas sim contra aqueles que Rodas chama de "grupos de resistência".
Tais "grupos de resistência" nada mais são que todos aqueles - estudantes, professores, funcionários, entidades, organizações políticas e movimentos - que não compactuam com o projeto de universidade dessa burocracia da qual Rodas faz parte. A universidade ideal para Rodas é aquela das blitz de prevenção, não apenas nas avenidas da cidade universitária, mas também nas salas de aula, nas assembléias e festas, em que se revistam e vigiam as idéias e o pensamento crítico. A universidade ideal para Rodas é aquela do capital, a serviço do capital, que faz do livre pensamento algo obsoleto, que espera transformar o ensino em um condomínio privado, cheio de grades e guaritas, a ser vendido como um empreendimento de luxo no mercado.
Finalmente, o que ele chama de "grande ranço" é, na verdade, uma grande resistência que é, ao mesmo tempo, a essência do ser de uma universidade pública. Reconhece o próprio reitor - com um rancor digno de um padre da inquisição - "há aquela ideia de que o campus é um território livre". Sim, Sr. Reitor, o campus é um território livre onde todas as atividades são lícitas, um espaço crítico e de reflexão, de contestação das contradições políticas e sociais que esta sociedade carrega e não consegue resolver.  

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