quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Trocando em Miúdos: Providência e Superstição



"Se tudo está escrito, como é possível continuar achando que Deus mude a todo momento sua vontade e a organização do todo para atender aos pedidos de uma ínfima parte da criação que é o homem?"  Voltaire.

      Nessa postagem gostaria de apresentar uma reflexão produzida por Voltaire, filósofo Francês do século XVIII. Trata-se da presciência e do plano de Deus em relação à criação. O filósofo questiona a veracidade da providência e por intermédio de uma reflexão sadia expõe questões de extrema importância para aqueles que se deleitam com as maravilhas do saber.
            Abaixo apresento um pequeno trecho daquilo que o autor denominou verbete de sua obra "Questões sobre a Enciclopédia" (1770-72). O título do texto é Providência:

     "Estava próximo às grades quando a irmã Fessue disse à irmã Confite: A providência tem um desvelo visível comigo; vós sabeis como amo meu pardal; ele teria morrido caso eu não tivesse rezado nove ave-marias para obter a sua cura. Deus deu vida ao meu pardal; agradeçamos a santa virgem.
    Um metafísico lhe disse: Minha irmã, não há nada tão bom quanto ave-marias, sobretudo quando uma jovem as recita em latim num subúrbio de Paris; mas não creio que Deus se ocupe tanto de vosso pardal, feliz que ele é: imaginais, por favor, que ele tem outros afazeres. É preciso que ele dirija continuamente o curso de seis planetas e do anel de Saturno, ao centro dos quais colocou o Sol, tão grande como um milhão de nossas terras. Há milhares e milhares de outros sóis, de planetas e de cometas a serem governados; suas leis imutáveis e seu concurso eterno fazem mover a natureza inteira; tudo está ligado ao seu trono por uma corrente infinita da qual nenhum elo jamais pode estar fora de seu lugar. Se as ave-marias de fato, tivessem dado a vida ao pardal um instante além do que deveria viver, essas ave-marias teriam violado todas as leis estabelecidas por toda a eternidade pelo grande Ser; vós tereis perturbado o universo; um outro mundo vos seria necessário, um novo Deus, uma nova ordem das coisas.
       Irmã: O que! Vós acreditais que Deus faz assim tão pouco caso da irmã?
     Metafísico: Fico envergonhado de vos dizer que  vós não passais, como eu, de um pequeno elo imperceptível da corrente infinita (...)
     Irmã: Se é assim, eu estava determinada a dizer um número determinado de ave-marias.
     Metafísico: Sim, mas elas não forçaram Deus a prolongar a vida de vosso pardal além de seus dias (...)
      Irmã: Senhor, esse discurso soa a heresia. Meu confessor, o reverendo padre de Menou, inferirá que não acreditais na providência.
      Metafísico: Eu creio na Providência geral, minha cara irmã, aquela da qual emana de toda a eternidade a lei que regula todas as coisas, como a luz que jorra o Sol, mas não creio que uma Providência particular mude a economia do mundo por vosso pardal ou por vosso gato.
     Irmã: Mas, no entanto, se meu confessor vos dissesse, como disse a mim, que Deus muda todos os dias suas vontades em favor das almas devotas?
    Metafísico: Ele me diria a mais estúpida besteira que um confessor de jovens poderia dizer a um homem que pensa (...)" - Voltaire.




Elucubrações: 

  •  Há uma ordem planejada no universo?
  • Como compreender esse plano divino com relação à liberdade       humana?
  • A providência não pressupõe que tudo possa ser alterado, mas tudo já não teria sido previsto pelo criador? como conciliar esse inevitável paradoxo? 
          Maicon   Fortunato.

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